São tantas dificuldades que às vezes esquecemos de ver que nem tudo é tão ruim. E 2021 foi um ano marcante para a arte de Zélia Mendonça.
Quando a pandemia se concretizou, nos vimos em uma situação limite, inédita. Já nos preocupávamos desde 2019 com a questão ambiental e o vírus só fez alimentar certa sensação apocalíptica.
Angustiada, Zélia Mendonça começou a criar. Iniciou aulas remotas de desenho com o artista português Agostinho Santos e expandiu a forma de desenvolver a obra dela. Durante 2020 inteiro trabalhou incansavelmente entre as pinturas e a assemblage.
Consciente socialmente, a nova fase criativa com pintura em tela buscou compartilhar a indignação da artista com os últimos acontecimentos sociais. O imaginário emergiu como resposta às especulações acerca do futuro. Para tanto, retratou corpos em movimento e a vida em composições que distribuíram personagens em traços primitivistas.
Povos originários, circo, balé e cores povoaram telas em branco. Lembraram uma padronização usada em estampas mas que, por serem traços voluntariosos, insubmissos e provocantes, profanaram o cartesianismo, o colonialismo e a insistência de tempos de um fundamentalismo que não combina com a herança antropofágica brasileira.
Então veio 2021. Adaptada à nova realidade, já apaziguada do susto que acompanha a mudança repentina e vacinada, a artista começou a buscar formas de compartilhar com o mundo e mostrar sua nova produção. Somou parcerias e sua obra encontrou o destino de galerias para além das paredes do seu ateliê em Tiradentes, Minas Gerais.
A galeria Tina Zappoli, em Porto Alegre (RS), tradicionalmente conhecida por divulgar artistas modernistas do século XX, como Iberê Camargo, foi uma das que apostou em obras de Zélia Mendonça. A outra é em São Paulo, capital. A novíssima Duke, que nasceu com um conceito de galeria fechada, no Jardim Guedala, também parceira do ateliê Zélia Mendonça.
Traçando o caminho contrário da história brasileira, ainda no primeiro semestre de 2021, Zélia expôs na Bienal Internacional de Gaia e integrou o acervo do Festival Montanhas D’Artes e Festival de Artes de Oliveira do Hospital, em Portugal, numa exposição coletiva.
Em agosto, partiu presencialmente para aquele país em um programa de arte residência na Zet Gallery, na cidade de Braga. Depois, mês de setembro, lançou o livro retrospectiva da sua obra, “Senhora das Mudanças” pelo mesmo espaço anfitrião, em Braga, onde criou mais peças.
Foi uma temporada agitada de muitas trocas e eventos. Teve até um dia que chegou a estrear a exposição individual “Impávida Essência” no Museu Bienal de Cerveira e, horas depois, seguiu para noite de autógrafos no Espaço Quadras Soltas, na cidade vizinha do Porto.
E para fechar a temporada portuguesa, a artista ainda participou de uma residência artística no ateliê de Joana Vasconcelos, em Lisboa. Ao final, uma exposição com o resultado do encontro entre as artistas aconteceu no mesmo lugar com mesa de autógrafos de “Senhora das Mudanças”.
Antes de ir a Portugal, Zélia ainda deixou para o “Onco Dellas” uma arte pronta para estampar camisetas, cujo lucro com a venda foi revertido para ações do projeto social de apoio a mulheres com câncer.
Por isso tudo, 2021 foi também um ano marcante. E o ateliê Zélia Mendonça já inicia o ano com força total, com outros novos planos. Porque acredita que a arte não é mero efeito decorativo. É vida. É caminho.
Ainda que de tão repetida alguns julguem clichê, a poesia de Fernando Pessoa é que está valendo como sentido meio a este momento histórico tão conturbado. E com este texto inicial convidamos vocês a navegar nos sonhos conosco:
“Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu”.
Fernando Pessoa. Trecho do poema “Mar Português”. Edições Ática: Lisboa. 1959.
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